quinta-feira, 7 de junho de 2018


O pior massacre da história da humanidade à época, primeira guerra global em ritmo industrial, explorada por nacionalismos, inflada por impérios em colisão, esgarçada por um liberalismo senil, visto através de uma imagem aérea magnifica. Quem pintou essa breve descrição foi o pragmatismo do autor que escreve esse texto e não a abstração de Vassily Kandinsky, pintor russo desse premonitório “quadro com mancha vermelha” de 1914, no prelúdio da Primeira Guerra Mundial.
O nacionalismo marcou, muitas vezes com sangue, o cotidiano de eslavos, latinos, germânicos e tantas outras etnias europeias, existentes ou inventadas. Essa consciência nacional foi catapultada por um século XIX de revoluções burguesas, época pontilhada também por revoluções sociais, como mostra a confusa história francesa do período e a pilha de insurgentes mortos na Comuna de Paris. Na interpretação simplista do autor desse texto, as cores do quadro representam a colisão de diferentes povos europeus, um campo de batalha em que soldados de vanguarda borrifam a exuberância sanguinária de uma guerra de trincheira, caos denunciado pela profusão de cores. Nem Czar, nem César, nem Kaiser, tampouco socialistas ou capitalistas, nem mesmo os sensatos anarquistas, nenhum deles fez um mapa tão realista de uma Europa que transborda seu ódio. A cúpula política anglo-francesa do pós-guerra, implacável em riscar novos territórios, de certo não aprovaria esse realismo do mapa de Kandinsky, até porque os anos 1920 foram loucos.
O transbordo de cores é o choque humano, mas também há círculos com colorações explosivamente misturadas. Ordens dos generais para superar a guerra de trincheira? Colisão mórbida com centenas de milhares de mortos em poucas semanas? Será que uma dezena de quilômetros foi avançada antes do colapso total do batalhão? O trecho mais assustador do quadro é o canto superior direito. Vê-se um enorme círculo colorido seguido de uma borda negra, conjunto que é drenado por duas linhas paralelas até uma borrão gigantesco de sangue, a tal “mancha vermelha” título do quadro. Verdun não parece tão cruel como isso. O borrão de sangue está a jusante do Reno? Os moradores da Alsácia enxergam seu nacionalismo aqui? A Internacional finca sua bandeira em que lado? Quão fundo são os piquetes da greve operária? Os espelhos de Versalhes refletem qual cor? Dawes foi assinado onde? Alguém voltou a tempo de colher as beterrabas? Um oceano de distância do otimismo pacifista de Wilson, uma confortável mancha de distância da Casa de Hanover. Por clemência, salvem a Belle Époque!
Longínquas colônias asiáticas e africanas estão confusas com seus algozes. A era dos impérios se esgota, ascende um breve século XX. Não há o que reconstruir, desconstrói-se o destruído ao invés de reconstituí-lo. A realidade é dura, a revolução é russa, a resiliência é burguesa, a espreita é fascista, a crueldade é stalinista, a utopia é social, o imperialismo é americano, a raça é humana, a insanidade é nossa e a fuga é expressionista.