O pior massacre da história
da humanidade à época, primeira guerra global em ritmo industrial, explorada
por nacionalismos, inflada por impérios em colisão, esgarçada por um
liberalismo senil, visto através de uma imagem aérea magnifica. Quem pintou
essa breve descrição foi o pragmatismo do autor que escreve esse texto e não a
abstração de Vassily Kandinsky, pintor russo desse premonitório “quadro com mancha vermelha” de 1914, no
prelúdio da Primeira Guerra Mundial.
O nacionalismo marcou,
muitas vezes com sangue, o cotidiano de eslavos, latinos, germânicos e tantas
outras etnias europeias, existentes ou inventadas. Essa consciência nacional
foi catapultada por um século XIX de revoluções burguesas, época pontilhada
também por revoluções sociais, como mostra a confusa história francesa do
período e a pilha de insurgentes mortos na Comuna de Paris. Na interpretação
simplista do autor desse texto, as cores do quadro representam a colisão de
diferentes povos europeus, um campo de batalha em que soldados de vanguarda borrifam
a exuberância sanguinária de uma guerra de trincheira, caos denunciado pela
profusão de cores. Nem Czar, nem César, nem Kaiser, tampouco socialistas ou
capitalistas, nem mesmo os sensatos anarquistas, nenhum deles fez um mapa tão
realista de uma Europa que transborda seu ódio. A cúpula política anglo-francesa
do pós-guerra, implacável em riscar novos territórios, de certo não aprovaria
esse realismo do mapa de Kandinsky, até porque os anos 1920 foram loucos.
O transbordo de cores é o
choque humano, mas também há círculos com colorações explosivamente misturadas.
Ordens dos generais para superar a guerra de trincheira? Colisão mórbida com
centenas de milhares de mortos em poucas semanas? Será que uma dezena de quilômetros
foi avançada antes do colapso total do batalhão? O trecho mais assustador do
quadro é o canto superior direito. Vê-se um enorme círculo colorido seguido de
uma borda negra, conjunto que é drenado por duas linhas paralelas até uma borrão
gigantesco de sangue, a tal “mancha
vermelha” título do quadro. Verdun não parece tão cruel como isso. O borrão
de sangue está a jusante do Reno? Os moradores da Alsácia enxergam seu
nacionalismo aqui? A Internacional finca sua bandeira em que lado? Quão fundo
são os piquetes da greve operária? Os espelhos de Versalhes refletem qual cor?
Dawes foi assinado onde? Alguém voltou a tempo de colher as beterrabas? Um
oceano de distância do otimismo pacifista de Wilson, uma confortável mancha de
distância da Casa de Hanover. Por clemência, salvem a Belle Époque!
Longínquas colônias
asiáticas e africanas estão confusas com seus algozes. A era dos impérios se
esgota, ascende um breve século XX. Não há o que reconstruir, desconstrói-se o
destruído ao invés de reconstituí-lo. A realidade é dura, a revolução é russa,
a resiliência é burguesa, a espreita é fascista, a crueldade é stalinista, a
utopia é social, o imperialismo é americano, a raça é humana, a insanidade é
nossa e a fuga é expressionista.